CLÁUDIO MANUEL DA COSTA
A revolução industrial
alterou a sociedade do século XVIII, provocando êxodo rural, poluição ambiental, aumento da poluição
sonora e crescimento desordenado das cidades com consequências nocivas para muitos.
Os poetas, refletindo essas preocupações, voltaram seus temas à natureza, à sua
exaltação; o elogio à vida no campo.
“Se
observarmos a história da cultura, veremos que cada momento é uma oposição ao
anterior. O homem parece estar sempre insatisfeito com a direção de seu próprio
tempo e, por isso, rompe com o presente, propondo algo novo. Porém, ao
analisarmos o novo, notamos que muitos elementos, ainda mais antigos que os
abandonados, voltam à tona. É o velho que, misturado a certas tendências,
torna-se novidade.” (CEREJA, MAGALHÃES, 1994. Pg. 233).
Assim,
poetas como Cláudio Manuel da Costa reinventam os clássicos e surge um novo
estilo literário.
Arcádia é região da Grécia
onde pastores e poetas chefiados pelo deus Pã - deus dos bosques e
dos pastos, protetor dos pastores - dedicavam-se
à poesia e ao pastoreio, vivendo em harmonia perfeita com a natureza e isso simbolizava
o ideal de vida, por isso o nome do estilo predominante da literatura da época
ser chamado de Arcadismo, também designado como Neoclassicismo, por derivar-se
do fato de os escritores da época imitarem os clássicos, ao seguirem e
aceitarem determinadas convenções clássicas.
Antonio Cândido (1997)
explica esse estilo:
“A
poesia pastoral, como tema, talvez esteja vinculada ao desenvolvimento da
cultura urbana, que, opondo as linhas artificiais da cidade à paisagem natural,
transforma o campo num bem perdido, que encarna facilmente os sentimentos de
frustração. Os desajustamentos da convivência social se explicam pela perda da
vida anterior, e o campo surge como cenário de uma perdida euforia. A sua
evocação equilibra idealmente angústia de viver, associada à vida presente,
dando acesso aos mitos retrospectivos da idade de ouro.” (CANDIDO, 1997).
A
poesia árcade de Cláudio Manuel da Costa, escolhida para representar o estilo
literário de seu tempo, exibe elementos bucólicos e expressa alguns sentimentos
universais: dor na alma, tristeza, melancolia, esprezo pelas coisas materiais
quando o amor não é correspondido, frustração.
ALTÉIA - ROMANCE III
- Aquele pastor amante,
- Que nas úmidas ribeiras
- Deste cristalino rio
- Guiava as brancas ovelhas;
- Aquele, que muitas vezes
- Afinando a doce avena,
- Parou as ligeiras águas,
- Moveu as bárbaras penhas;
- Sobre uma rocha sentado
- Caladamente se queixa:
- Que para formar as vozes,
- Teme, que o ar as perceba.
- Os olhos levanta, e busca
- Desde o tosco assento aquela
- Distância, aonde, discorro,
- Que tem a origem da pena:
- E depois que esmorecidos
- Da dor os olhos, na imensa
- Explicação do tormento,
- Sufocada a luz, se cegam;
- Só às lágrimas recorre,
- Deixando-se ouvir apenas
- Daquelas árvores mudas,
- Daquela mimosa relva.
- Com torpe aborrecimento
- A companhia despreza
- Dos pastores, e das ninfas;
- Nada quer; tudo o molesta.
- Erguido sobre o penhasco
- Já vê, se é grande a eminência:
- Por que busque o fim da vida,
- Na violência de uma queda.
- Já louco se precipita;
- E já se suspende: a mesma
- Apetência do tormento
- Maior tormento lhe ordena.
- Pastores, vede a Daliso;
- Vede o estado qual seja
- De um pastor, que em outro tempo
- Glória destes montes era:
- Vede, como sem cuidado
- Pastar pelos montes deixa
- As ovelhas of'recidas
- Às iras de qualquer fera.
- Vede, como desta rama,
- Que fúnebre está, suspensa
- Deixou a lira, que há pouco,
- Pulsava pela floresta.
- Vede, como já não gosta
- Da barra, dança e carreira;
- E ao pastoril exercício
- De todo já se rebela.
- Segundo o vulto, que neste
- Rústico penedo ostenta,
- Cuido, que o fizeram louco
- Desprezos da bela Alteia.
Muitos poetas ligados ao arcadismo adotaram pseudônimos de pastores gregos
ou latinos, pois o ideal de vida válido era o de uma vida bucólica. Diferentemente do Barroco, é com frases
de ordem direta que o autor escreve seus versos, usando um vocabulário simples
(pelo menos para a época) e há uma quase ausência de figuras de linguagem.
Podemos
observar que as palavras das segundas e quartas estrofes de todos os versos
terminam com os vogais “e” e “a” – embora em algumas palavras dos segundos
versos haja o acréscimo da letra “i”, que por ser classificada como uma
semi-vogal quando, ao lado das letras “a”, “e” e “o”, talvez não deva ser
levada em
consideração. Percebe-se, assim, a preocupação do autor com a
sonoridade e seu cuidado na escolha das palavras.
A natureza está presente em
seus versos - úmidas ribeiras, rios, águas, penhas, luz, árvores, relva – e o
pastor dialoga com essa natureza e transforma o vento em um ser capaz de
ouvi-lo.
(...) teme, que o ar as
perceba (as vozes) (...). (verso 12).
Nos versos de 9 a 12, o autor, cansado de
amar e não ser correspondido, lamenta sua sorte e quer desabafar, mas não deseja
que ninguém o ouça. O poeta busca a perfeição do ser, pois
só um ser perfeito aceita a dor sem que ela seja transparecida:
“(...) Sobre uma rocha
sentado
Caladamente se queixa:
Que para formar as vozes,
Teme, que o ar as perceba. (...)
Caladamente se queixa:
Que para formar as vozes,
Teme, que o ar as perceba. (...)
“O
belo é verdadeiro e o verdadeiro é natural”, portanto, tudo que é natural é
belo: é essa a visão do homem literato da época. A natureza é recorrente e seu
trabalho (o do ser perfeito) deve ser relacionado à natureza. Sendo assim, o
pastor é o escolhido para representar a volta às origens, pois o seu contato
com o natural é diário. É da natureza que tira o seu sustento:
“Aquele pastor amante (...) - (verso 1)
(...) guiava as ovelhas brancas (...)” (verso 4).
Nota-se também
que havia um grande prazer em estar junto ao campo:
.” (...) Aquele
que muitas vezes
Afinando a doce
avena (...) (versos 5 e 6)
(...) deixou a
lira que há pouco
Pulsava pela
floresta (...)” (versos 47 e 48).
Contudo, esse prazer se acaba ao sentir-se desprezado por sua
amada Alteia. Em detrimento das ovelhas,
seu trabalho é esquecido e abandonado:
“(...) Vede, como sem
cuidado
Pastar pelos montes deixa
As ovelhas of'recidas
Às iras de qualquer fera.
(versos 41 a
44)
(...) Vede, como já não
gosta
Da barra, dança e carreira;
E ao pastoril exercício
De todo já se rebela. (...)”.
(versos 49 a
52).
O cenário bucólico da
paisagem mineira, por meio de alusões à natureza áspera – rochas, penhascos,
penhas, penedo - é testemunha impassível de seus lamentos e desenganos. Seu
sofrimento é tal que busca a última saída possível:
(...) Erguido sobre o penhasco
Já vê, se é grande a
eminência:
Por que busque o fim da
vida,
Na violência de uma queda.
(...) (versos 29 a
32).
O poeta árcade aqui em seu poema já não tem mais o desejo de aproveitar o
dia e a vida enquanto possível – carpe
diem – como lhe acontecia antes de sofrer os desprezos “que o fizeram
louco”.
É
possível fazer um paralelo da obra escolhida de Cláudio Manuel da Costa com a
música de Adriana Calcanhoto:
Cantada
(Depois de Ter Você) - Adriana Calcanhotto
(Álbum Cantada, 2002)
“Depois
de ter você
Pra que querer saber
Que horas são?
Se é noite ou faz calor
Se estamos no verão
Se o sol virá ou não
Ou pra que é que serve
Uma canção como esta?
Pra que querer saber
Que horas são?
Se é noite ou faz calor
Se estamos no verão
Se o sol virá ou não
Ou pra que é que serve
Uma canção como esta?
Depois
de ter você
Poetas para que? (...)
Poetas para que? (...)
A autora define que a poesia, embora lhe seja importante,
é nada quando acontece a perda da pessoa amada, a natureza não é mais
essencial, e nem mesmo a canção que compõe é válida em face de tal privação. É
possível perceber também em seus versos a desconsideração pela vida.
O contéudo bucólico e a idealização amorosa são os
componentes dessa obra que retratam a mulher do Arcadismo como distante, incorpórea, um ser superior, inalcansável e
imaterial. Calcanhoto (2002), não esclarece se o ser amado é homem ou mulher,
mas o vê do mesmo modo como os poetas árcades: inatingível.
É possível afirmar que “de todos os poetas “mineiros”, talvez seja ele
(Cláudio Manuel da Costa) o mais profundamente preso às emoções e valores da
terra” (Cândido, 1997). Basta apenas perscrutar seus poemas e veremos as
características árcades que tão bem soube usar para compor poemas de grande
valor literário.
Glossário:
Avena=
antiga flauta pastoril.
Penha
= penhasco, rocha.
Referências
bibliográficas:
CÂNDIDO,
Antonio. Formação da Literatura
Brasileira. 1º. Volume. Editora
Itatiaia Limitada, Belo Horizonte – Rio de Janeiro, 1997.
CEREJA,
William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens. Atual Editora, São Paulo, 1994.
CALCANHOTTO,
Adriana. Cantada, 2002. Disponível
em https://som13.com.br/adriana-calcanhotto/albums/cantada