sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Cláudio Manoel da Costa


CLÁUDIO MANUEL DA COSTA

A revolução industrial alterou a sociedade do século XVIII, provocando êxodo rural, poluição ambiental, aumento da poluição sonora e crescimento desordenado das cidades com consequências nocivas para muitos. Os poetas, refletindo essas preocupações, voltaram seus temas à natureza, à sua exaltação; o elogio à vida no campo.
“Se observarmos a história da cultura, veremos que cada momento é uma oposição ao anterior. O homem parece estar sempre insatisfeito com a direção de seu próprio tempo e, por isso, rompe com o presente, propondo algo novo. Porém, ao analisarmos o novo, notamos que muitos elementos, ainda mais antigos que os abandonados, voltam à tona. É o velho que, misturado a certas tendências, torna-se novidade.” (CEREJA, MAGALHÃES, 1994. Pg. 233).
            Assim, poetas como Cláudio Manuel da Costa reinventam os clássicos e surge um novo estilo literário.
Arcádia é região da Grécia onde pastores e poetas chefiados pelo deus Pã - deus dos bosques e dos pastos, protetor dos pastores - dedicavam-se à poesia e ao pastoreio, vivendo em harmonia perfeita com a natureza e isso simbolizava o ideal de vida, por isso o nome do estilo predominante da literatura da época ser chamado de Arcadismo, também designado como Neoclassicismo, por derivar-se do fato de os escritores da época imitarem os clássicos, ao seguirem e aceitarem determinadas convenções clássicas.
Antonio Cândido (1997) explica esse estilo:
“A poesia pastoral, como tema, talvez esteja vinculada ao desenvolvimento da cultura urbana, que, opondo as linhas artificiais da cidade à paisagem natural, transforma o campo num bem perdido, que encarna facilmente os sentimentos de frustração. Os desajustamentos da convivência social se explicam pela perda da vida anterior, e o campo surge como cenário de uma perdida euforia. A sua evocação equilibra idealmente angústia de viver, associada à vida presente, dando acesso aos mitos retrospectivos da idade de ouro.” (CANDIDO, 1997).
            A poesia árcade de Cláudio Manuel da Costa, escolhida para representar o estilo literário de seu tempo, exibe elementos bucólicos e expressa alguns sentimentos universais: dor na alma, tristeza, melancolia, esprezo pelas coisas materiais quando o amor não é correspondido, frustração. 

ALTÉIA - ROMANCE III

  1. Aquele pastor amante,
  2. Que nas úmidas ribeiras
  3. Deste cristalino rio
  4. Guiava as brancas ovelhas;

  1. Aquele, que muitas vezes
  2. Afinando a doce avena,
  3. Parou as ligeiras águas,
  4. Moveu as bárbaras penhas;

  1. Sobre uma rocha sentado
  2. Caladamente se queixa:
  3. Que para formar as vozes,
  4. Teme, que o ar as perceba.

  1. Os olhos levanta, e busca
  2. Desde o tosco assento aquela
  3. Distância, aonde, discorro,
  4. Que tem a origem da pena:

  1. E depois que esmorecidos
  2. Da dor os olhos, na imensa
  3. Explicação do tormento,
  4. Sufocada a luz, se cegam;

  1. Só às lágrimas recorre,
  2. Deixando-se ouvir apenas
  3. Daquelas árvores mudas,
  4. Daquela mimosa relva.

  1. Com torpe aborrecimento
  2. A companhia despreza
  3. Dos pastores, e das ninfas;
  4. Nada quer; tudo o molesta.

  1. Erguido sobre o penhasco
  2. Já vê, se é grande a eminência:
  3. Por que busque o fim da vida,
  4. Na violência de uma queda.

  1. Já louco se precipita;
  2. E já se suspende: a mesma
  3. Apetência do tormento
  4. Maior tormento lhe ordena.

  1. Pastores, vede a Daliso;
  2. Vede o estado qual seja
  3. De um pastor, que em outro tempo
  4. Glória destes montes era:

  1. Vede, como sem cuidado
  2. Pastar pelos montes deixa
  3. As ovelhas of'recidas
  4. Às iras de qualquer fera.

  1. Vede, como desta rama,
  2. Que fúnebre está, suspensa
  3. Deixou a lira, que há pouco,
  4. Pulsava pela floresta.

  1. Vede, como já não gosta
  2. Da barra, dança e carreira;
  3. E ao pastoril exercício
  4. De todo já se rebela.
  5. Segundo o vulto, que neste
  6. Rústico penedo ostenta,
  7. Cuido, que o fizeram louco
  8. Desprezos da bela Alteia.


Muitos poetas ligados ao arcadismo adotaram pseudônimos de pastores gregos ou latinos, pois o ideal de vida válido era o de uma vida bucólica. Diferentemente do Barroco, é com frases de ordem direta que o autor escreve seus versos, usando um vocabulário simples (pelo menos para a época) e há uma quase ausência de figuras de linguagem.
            Podemos observar que as palavras das segundas e quartas estrofes de todos os versos terminam com os vogais “e” e “a” – embora em algumas palavras dos segundos versos haja o acréscimo da letra “i”, que por ser classificada como uma semi-vogal quando, ao lado das letras “a”, “e” e “o”, talvez não deva ser levada em consideração. Percebe-se, assim, a preocupação do autor com a sonoridade e seu cuidado na escolha das palavras.
A natureza está presente em seus versos - úmidas ribeiras, rios, águas, penhas, luz, árvores, relva – e o pastor dialoga com essa natureza e transforma o vento em um ser capaz de ouvi-lo.
(...) teme, que o ar as perceba (as vozes) (...). (verso 12).
Nos versos de 9 a 12, o autor, cansado de amar e não ser correspondido, lamenta sua sorte e quer desabafar, mas não deseja que ninguém o ouça. O poeta busca a perfeição do ser, pois só um ser perfeito aceita a dor sem que ela seja transparecida:
“(...) Sobre uma rocha sentado
Caladamente se queixa:
Que para formar as vozes,
Teme, que o ar as perceba. (...)
“O belo é verdadeiro e o verdadeiro é natural”, portanto, tudo que é natural é belo: é essa a visão do homem literato da época. A natureza é recorrente e seu trabalho (o do ser perfeito) deve ser relacionado à natureza. Sendo assim, o pastor é o escolhido para representar a volta às origens, pois o seu contato com o natural é diário. É da natureza que tira o seu sustento:
“Aquele pastor amante (...) - (verso 1)
(...) guiava as ovelhas brancas (...)” (verso 4).
            Nota-se também que havia um grande prazer em estar junto ao campo:
            .” (...) Aquele que muitas vezes
            Afinando a doce avena (...) (versos 5 e 6)
            (...) deixou a lira que há pouco
            Pulsava pela floresta (...)” (versos 47 e 48).
Contudo, esse prazer se acaba ao sentir-se desprezado por sua amada Alteia.  Em detrimento das ovelhas, seu trabalho é esquecido e abandonado:
“(...) Vede, como sem cuidado
Pastar pelos montes deixa
As ovelhas of'recidas
Às iras de qualquer fera. (versos 41 a 44)
(...) Vede, como já não gosta
Da barra, dança e carreira;
E ao pastoril exercício
De todo já se rebela. (...)”. (versos 49 a 52).
O cenário bucólico da paisagem mineira, por meio de alusões à natureza áspera – rochas, penhascos, penhas, penedo - é testemunha impassível de seus lamentos e desenganos. Seu sofrimento é tal que busca a última saída possível:
(...) Erguido sobre o penhasco
Já vê, se é grande a eminência:
Por que busque o fim da vida,
Na violência de uma queda. (...) (versos 29 a 32).
O poeta árcade aqui em seu poema já não tem mais o desejo de aproveitar o dia e a vida enquanto possível – carpe diem – como lhe acontecia antes de sofrer os desprezos “que o fizeram louco”.
            É possível fazer um paralelo da obra escolhida de Cláudio Manuel da Costa com a música de Adriana Calcanhoto:

Cantada (Depois de Ter Você)  - Adriana Calcanhotto (Álbum Cantada, 2002)
“Depois de ter você
Pra que querer saber
Que horas são?

Se é noite ou faz calor
Se estamos no verão
Se o sol virá ou não
Ou pra que é que serve
Uma canção como esta?

Depois de ter você
Poetas para que? (...)

A autora define que a poesia, embora lhe seja importante, é nada quando acontece a perda da pessoa amada, a natureza não é mais essencial, e nem mesmo a canção que compõe é válida em face de tal privação. É possível perceber também em seus versos a desconsideração pela vida.
O contéudo bucólico e a idealização amorosa são os componentes dessa obra que retratam a mulher do Arcadismo como distante,  incorpórea, um ser superior, inalcansável e imaterial. Calcanhoto (2002), não esclarece se o ser amado é homem ou mulher, mas o vê do mesmo modo como os poetas árcades: inatingível.
É possível afirmar que “de todos os poetas “mineiros”, talvez seja ele (Cláudio Manuel da Costa) o mais profundamente preso às emoções e valores da terra” (Cândido, 1997). Basta apenas perscrutar seus poemas e veremos as características árcades que tão bem soube usar para compor poemas de grande valor literário.

Glossário:
Avena= antiga flauta pastoril.
Penha = penhasco, rocha.


Referências bibliográficas:
CÂNDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira. 1º. Volume.  Editora Itatiaia Limitada, Belo Horizonte – Rio de Janeiro, 1997.

CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens. Atual Editora, São Paulo, 1994.

CALCANHOTTO, Adriana. Cantada, 2002. Disponível em https://som13.com.br/adriana-calcanhotto/albums/cantada