segunda-feira, 4 de novembro de 2019

TERESA

TERESA

                                                                                  Marta Padoveze

(Paráfrase* do poema Teresa, de Manuel Bandeira)


         Aos olhos de Teresa, eu sou nada. Mas como posso culpá-la se eu mesmo já a desdenhara por duas vezes?
         Agora, lembro-me tão claramente do primeiro dia em que a vi: tão esquisita, tão cara de perna!
         - Bom dia, moço! Quero descontar este cheque. 
         E o sorriso era seu cartão de visitas.  
        Mas eu só via em Teresa sua cara-perna. Até que Teresa era bem jeitosinha, mas aquela minissaia mostrando suas pernas estúpidas me incomodavam, sem aparente motivo.
         Na segunda vez que a vi, suas pernas já não me pareciam tão estúpidas assim. Talvez, porque, naquela ocasião ela estivesse usando uma saia mais longa, mas os olhos! Eram mais velhos que ela! Seriam olhos de sabedoria já alcançada? Ou seriam olhos já muito sofridos, mais sofridos que o corpo?
        - Bom dia, moço! Quero descontar este cheque, disse Teresa, repetindo para mim seu cartão de visitas.
         Na terceira vez que a vi, nada mais havia ao redor: só Teresa em suas pernas inteligentes, com seu rosto-anjo.
       - Bom dia, moço! Quero descontar este cheque.
       Porém, o seu cartão de visitas era dirigido ao outro caixa, e ele, por sua vez, os olhos maduros da moça fixava.
       Eu a amava, e ela nem percebia. Eu só via Teresa, que não era pernas, olhos, cara: era tão somente Teresa, meu amor.
       Eu teria depositado minha vida em Teresa, mas ela nem sacou o meu amor.



Teresa - Manuel Bandeira

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.



*Paráfrase: interpretação, explicação ou nova apresentação de um texto (entrecho, obra) que visa torná-lo mais inteligível ou que sugere novo enfoque para o seu sentido (HOUAISS, 2009).



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